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HERNÂNI DIAS: 300 MIL EUROS EM ADJUDICAÇÕES AO “AMIGO DA SIC” – INVESTIGAÇÃO

Hernâni Dias ex-Secretário de Estado e ex-Presidente da Câmara Municipal de Bragança continua no olho do furacão. O discípulo de Luís Montenegro é acusado de usar mais de 300 mil euros do bolso da autarquia em “estranhas adjudicações “. Segundos os denunciantes trata-se de um “esquema concertado” com o seu “amigo da SIC”.

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Hernâni Dias sucedeu no cargo de presidente da Câmara Municipal de Bragança ao Comendador Jorge Nunes, “com quem não aprendeu nada“, dizem alguns militantes do PSD de Bragança nas redes sociais.

Recuamos ao ano de 2013 quando Hernâni Dias foi apadrinhado por Luís Montenegro, então presidente do Grupo Parlamentar do PSD, no lançamento daquela que foi a sua primeira candidatura autárquica. Em 2013 venceu com 47,24% (9.449 votos) e seguiram-se mais dois mandatos (2017, em que venceu com 57,05% -10.840 votos – e em 2021 ano que venceu com 57,51% – 10.307 votos).

Aparentemente, Hernâni Dias não sofreu qualquer desgaste político, pelo contrário, e viu a sua popularidade eleitoral crescer 10 pontos percentuais ao longo dos três mandatos que exerceu na autarquia brigantina.

Segundo especialistas, o sucesso eleitoral de Hernâni Dias em Bragança tem outra explicação: “O PSD cresceu quase 10% de 2013 para 2017 e não cresceu nada de 2017 para 2021 (…) A explicação é simples: em 2013 mais de três mil eleitores votaram na candidatura “Movimento Sempre Presente (XIII)”, eleitorado flutuante que em 2017 votou PSD“, explicou à Rádio Regional o professor de Estatística Ricardo Miranda.

Quanto à oposição, neste caso o Partido Socialista, obteve  26,02% – 5.204 votos – em 2013, 27,12% – 5.153 votos – em 2017 e 26,98%  – 4.836 votos – em 2021.

Olhando à contabilidade, a propaganda política de Hernâni Dias paga por subvenções públicas custou aos contribuintes portuguesas 93.439 euros. O PSD apenas em 2013 “ajudou” o seu candidato uns singelos 7.250 euros.

Legenda: Na imagem, Luís Montenegro em 2013, à data líder do Grupo Parlamentar do PSD a discursar no lançamento da primeira candidatura de Hernâni Dias à autarquia de Bragança.


Em 2024, Hernâni Dias passou o testemunho a Paulo Xavier, que se adiantou na corrida autárquica, mas a concelhia laranja azedou porque foi a última a saber. Entretanto, as pazes foram feitas e Paulo Xavier passou de candidato oficioso a oficial do PSD na corrida autárquica deste ano.

O reinado laranja nas terras do “cavaquistão” de outros tempos está agora ameaçado. A oligarquia política, liderada pelo padrinho político, Luís Montenegro, e o afilhado, Hernâni Dias, está em risco e os dois são protagonistas de uma sucessão de casos que ultrapassou fronteiras, culminou, primeiro, na demissão de Hernâni Dias e, depois, na queda do Governo de Montenegro.

Hernâni Dias, que recentemente não tinha condições políticas para ser governante mas, agora, e mesmo estando sob investigação da Procuradoria Europeia, como que por magia, considera ter restauradas as suas credenciais políticas e encabeça a lista por Bragança do PSD nas eleições legislativas marcadas para 18 de maio.

Em Braga, e sem meias medidas, o líder do PS, Pedro Nuno Santos, considerou que os casos a envolver o antigo secretário de Estado e o ainda primeiro-ministro “são iguais” e disse mais: “Hernâni Dias não tinha condições para governante mas agora já tem condições para cabeça de lista por Bragança“, considerou dias antes de serem conhecidos casos relacionados com o líder da bancada Parlamentar do PSD, Hugo soares, relacionados com empresas e propriedades precisamente em Bragança.

Na cidade de Bragança, Hernâni Dias é tema de conversa em praticamente todos os locais públicos a que a Rádio Regional visitou: “Onde há fumo há fogo, nem sei que pensar“,  confessou José Carlos, um dos muitos brigantinos perplexos com os “casos” que envolvem o ex-presidente da câmara de Bragança.


AS “ESTRANHAS” ADJUDICAÇÕES

Em 2024, a Rádio Regional recebeu várias denúncias relativas à contratação celebrados pela Autarquia Brigantina durante os mandatos de Hernâni Dias. Nas várias plataformas de contratação pública constam mais de 30 contratos sempre com a mesma empresa adjudicatária.

Legenda: O total faturado pela “SIC Bragança” numa das quatro plataformas de contratação pública conhecidas. Este valor corresponde ao faturado a organismos públicos, na sua maioria à Autarquia de Bragança. A este valor soma a taxa de IVA em vigor.

A contratação pública desta autarquia tem estado na mira da Polícia Judiciária (PJ) tal como a Rádio Regional avançou em primeira mão AQUI e AQUI.

Hernâni Dias é acusado de controlar a comunicação social regional: “São adjudicações de fachada com o objetivo de meter dinheiro no bolso de um amigo que controla a delegação da SIC em Bragança“, denunciou fonte próxima da autarquia à Rádio Regional.

Durante os mandatos de Hernâni Dias foram pagos 330 mil euros à empresa “Cave – Estúdios de Vídeo e Publicidade” para realizar trabalhos de natureza promocional e publicitária à autarquia. Só que aquela empresa não é uma empresa qualquer: é a autointitulada delegação “SIC Bragança”, gerida pelo amigo do ex-autarca Fernando Nunes.

Esta empresa está sediada no centro da cidade e tem à porta o símbolo da SIC como se pode ver aqui:

Legenda: Fotografia da entrada dos Estúdios Cave, onde funciona a “Delegação SIC” em Bragança.


Segundo os vários contratos a que a Rádio Regional teve acesso, a dita “SIC Bragança” estava contratualmente obrigada a produzir “filmes publicitários“, “filmes e videocassetes para publicidade, propaganda e informação” e até “assessoria de comunicação“, atividades legalmente incompatíveis com o exercício da atividade jornalística.

A Rádio Regional pediu esclarecimentos a Paulo Xavier, atual Presidente da Câmara de Bragança, e ex-vice-presidente de Hernâni Dias, e à ex-jornalista e agora responsável pela comunicação daquela autarquia Sandra Canteiro que, defenderam que a “Estúdios Cave” (Fernando Nunes) não é representante de qualquer órgão de Comunicação Social.

Mas não será bem assim. Em fevereiro de 2024, Paulo Xavier e Hernâni Dias condecoraram publicamente, com a Medalha de Mérito Municipal, o repórter Fernando Nunes, louvando-o exatamente por se tratar do representante da delegação da SIC em Bragança [SIC Bragança] e pelas suas reportagens noticiosas produzidas para a SIC, canal de televisão detido pelo Grupo Impresa.

A autarquia esclareceu ainda que os 330 mil euros pagos em “Ajustes Diretos” ou por “Consulta Prévia” sem verdadeira concorrência, referem-se à produção de trabalhos promocionais/publicitários da autarquia, serviços contratados à dita “SIC Bragança”. Coincidência, ou talvez não, as algumas das temáticas abordadas naqueles serviços pagos foram objeto de reportagens noticiosas difundidas pela SIC/SIC Notícias.

Sandra Canteiro, confrontada com este “fornecedor” que, ora contrata serviços de promoção/publicidade, ora produz notícias em que a Autarquia é visada, não soube, ou não quis, esclarecer as questões colocadas.

Legenda: Paulo Xavier, atual presidente da Autarquia de Bragança, condecorou em fevereiro de 2024 Fernando Nunes (ao centro) enquanto “repórter” e representante da delegação da “SIC Bragança”. Em 2025, no âmbito desta investigação jornalística a Autarquia de Bragança negou qualquer ligação de Fernando Nunes à SIC.


Durante esta investigação, encontramos casos em que, a troco de vários milhares de euros, a “SIC Bragança” comprometeu-se a produzir vídeos promocionais/publicitários, dando a garantia de transmissão em televisão. Coincidência, ou não, parte dos trabalhos que a “SIC Bragança” (Estúdios Cave do amigo Fernando Nunes) produziu foram de promoção da pretensa obra feita de Hernâni Dias.

Esse senhor [Hernâni Dias] usa estes expedientes para vender ao país a imagem de bom autarca, com obra feita, quando, na verdade, é um lobo em pele de cordeiro que vive de aparência (…) Só quem é cego é que não vê porque razão insistem em contratar especificamente aquela empresa [SIC Bragança]“, disse fonte próxima da autarquia brigantina que, por temer represálias, pediu anonimato.

O amigo [Fernando Nunes] inclusivamente trabalhou nas companhas dele e quem pagou?“, deixou no ar a pergunta a mesma fonte.

Fernando Nunes, gerente da “SIC Bragança”, inicialmente colaborou com esta investigação e confirmou à Rádio Regional que efetivamente a “SIC Bragança” é a delegação regional da SIC e que funciona na sua empresa, nas suas instalações e com os seus meios técnicos, sendo também ali que estão os estúdios de gravação/edição das notícias da região de Bragança que são difundidas pela SIC/SIC Notícias.

Confrontado com o exercício de atividades legalmente incompatíveis, Fernando Nunes garantiu que nunca usou o nome “SIC” para contratos de natureza publicitária. Mas tal não é verdade. A Rádio Regional obteve vários documentos onde a designação “Delegação SIC” surge em propostas comerciais de natureza promocional/publicitária, como, aliás, se pode ver numa reprodução parcial de um documento em sede de contratação pública e assinado pelo próprio Fernando Nunes.

Legenda: Uma das muitas propostas publicitárias da “Delegação SIC” com assinatura de Fernando Nunes (à direta) desfocada por imposição legal, ética e deontológica.

A Rádio Regional sabe que Fernando Nunes (SIC Bragança) trabalhou nas campanhas eleitorais de Hernâni Dias, na produção de vídeos e conteúdos promocionais (trabalhos a que Rádio Regional teve acesso). Inicialmente o gerente da “SIC Bragança” confirmou que, efetivamente, trabalhou na campanha eleitoral do ex-presidente, mas quando lhe foi pedida informação sobre os valores cobrados, e as respetivas faturas, pelo serviços prestados à candidatura de Hernâni Dias, o “amigo da SIC” passou ao insulto e não mais atendeu qualquer contacto da Rádio Regional.

A Lei obriga os Partidos Políticos a comunicarem os orçamentos de campanha e a omissão de “ajudas” pode ser considerada financiamento ilegal. O Tribunal Constitucional veio confirmar algumas suspeitas. A Rádio Regional consultou os orçamentos das campanhas eleitorais de Hernâni Dias em 2013, 2017 e 2011 e não encontrou evidências de pagamento a Fernando Nunes, o “amigo da SIC”, por qualquer trabalho.

Fernando Nunes, habituado ao papel de escrutinador ao serviço das equipas de reportagem da SIC, é agora o escrutinado. Descobriu uma galinha de ovos de ouro e a coberto da marca “SIC” não se ficou por aqui.

A “Delegação SIC” salta à vista na longa lista de “adjudicações” por parte de entidades que é suposto a comunicação social escrutinar. Tudo somado facilmente chega a 500 mil euros.

As entidades contratantes são as mesmas que, coincidência, ou não, acabam por ser objeto de reportagens transmitidas na SIC/SIC Notícias e as temáticas trabalhadas são, igualmente, as mesmas.

Legenda: O gerente da “SIC Bragança”, Fernando Nunes, na equipa de reportagem “SIC” em emissão na SIC/SIC Notícias. Os nomes dos restantes elementos da equipa de reportagem foram tapados por imposição ética e deontológica.


MAIS CASOS NO REINO LARANJA

Também a Comunidade Intermunicipal de Terras de Trás-os-Montes (CIM-TTM), sob domínio laranja, adjudicou perto de 50 mil euros em serviços ao “amigo da SIC”. A Rádio Regional teve acesso aos processos de adjudicação e salta à vista a marca “Delegação SIC”, assim como a ausência da Declaração de Registo Central de Beneficiário Efetivo, cuja falta exclui – ou deveria excluir – os interessados da contratação pública.

A Rádio Regional sabe que só em 6 de janeiro de 2025 é que esta “SIC Bragança” cumpriu com aquela obrigação declarativa, recorrendo, para tal, a falsas declarações, relativamente à informação relevante dos sócios, Fernando Nunes e mulher, em matéria de cargos estatutários e direitos de voto. As falsas declarações no Registo Central do Beneficiário Efetivo (RCBE) são punidas civil e criminalmente.

Questionada a CIM-TTM, Rui Caseiro, primeiro secretário, (também ex-deputado da Assembleia Municipal do PSD e ex-Vice-Presidente do Comendador Jorge Nunes até 2013) reagiu às polémicas que envolvem Hernâni Dias dizendo que “à mulher de César não basta sê-lo” e admitiu que não se tinha “por hábito exigir o RCBE”, agradecendo as questões [da Rádio Regional] e garantindo que os procedimentos irão “ser corrigidos” e que a CIM-TTM irá  “agir nos casos em que ainda seja possível“.

Rui Caseiro, uma figura histórica do PSD em Bragança, esclareceu porque razão nunca fez parte de qualquer executivo de Hernâni Dias: “Fui vice-presidente do Eng. Jorge Nunes, ele [Hernâni Dias] era um quarto vereador (…) o candidato natural era eu, mas não quis, foi uma opção minha e por isso é que ele [Hernâni Dias] se tornou a escolha do partido em 2013“, esclareceu, assim, uma antiga alegada incompatibilidade com Hernâni Dias.

Legenda: Na fotografia, o “amigo” Fernando Nunes e também dono/gerente da “SIC Bragança”. Rostos de figuras conhecidas da SIC desfocados por imposição ética e deontológica.


A SIC E HERNÂNI DIAS ESCLARECEM

Questionada a SIC lembrou que “qualquer serviço de natureza publicitária não é compatível com o exercício jornalístico” e alegou desconhecer a existência de serviços pagos por autarquias a qualquer seu funcionário, correspondente e prestador de serviços (individuais ou coletivos).

Já sobre os 330 mil euros em “adjudicações” da autarquia de Bragança à “delegação” daquele canal de televisão em Bragança, sobre os indícios de incompatibilidade e sobre o envolvimento daquela delegação nas campanhas eleitorais de Hernâni Dias, o Grupo Imprensa respondeu com algum desconforto que “nada comenta” quanto aquelas matérias.

Falamos com Hernâni Dias, que se mostrou sempre disponível para esclarecer a Rádio Regional. O ex-presidente contradiz a autarquia e reconhece a empresa Estúdios Cave como “SIC Bragança”.

Não tenho qualquer responsabilidade direta na contratação de serviços a essa empresa, desconheço qualquer ilegalidade na contratação ou questões de incompatibilidade (…) Enquanto presidente confio nos funcionários da autarquia e, a existir algum problema,  terá que questionar os serviços, embora o presidente seja sempre o último responsável” disse Hernâni Dias.

Quando questionado sobre os valores pagos, o ex-autarca garantiu que não sabe se “o preço é alto ou baixo”.

“Mais uma vez limitei-me a confiar nos técnicos da autarquia“, afirmou.

Porém, Hernâni Dias não soube, ou não quis, explicar o âmbito da participação de Fernando Nunes (SIC Bragança) nas suas campanhas eleitorais “Bragança é uma terra onde todos nos conhecemos” nem quem, quando e como foram pagos os serviços do repórter, gerente e dono da “SIC Bragança” nas suas campanhas eleitorais.

Sobre a acusação de usar o dinheiro da autarquia para controlar a comunicação social, o ex-governante salientou que “é um disparate“.

Porém, sempre que o tema é Hernâni Dias ou a Câmara Municipal de Bragança instala-se um silêncio religioso e uma obstrução concertada por terras de Bragança, que jornalistas em outras investigações também já deram nota pública.


Vítor Fernandes

Diretor de Informação


Atualização: O Eng. Rui Caseiro não foi presidente da Concelhia do PSD mas sim deputado da Assembleia Municipal do PSD. Lapso que corrigimos. Agradecemos ao próprio a correção.